Relógio

terça-feira, 30 de outubro de 2012

"Temos uma percepção errada do islã", diz Malga di Paula, consultora em "Salve Jorge"



Malga di Paula na Capadócia, cenário usado por Gloria Perez para ambientar a novela "Salve Jorge" (2012)
Malga di Paula na Capadócia, cenário usado por
Gloria Perez para ambientar a novela "Salve Jorge" (2012)
A paixão pela Turquia transformou a vida de Malga Di Paula, 42 anos, viúva do humorista Chico Anysio. Tanto que foi ela que apresentou para Glória Perez o país muçulmano que é retratado em "Salve Jorge". Malga integrou a equipe de consultores da autora da novela e ajudou a criar alguns personagens da trama. “Hoje eu vejo esse trabalho como uma homenagem ao Chico. Ele sempre me apoiou, Chico foi meu cajado. Não existia o impossível para ele”, relembrou, em entrevista exclusiva ao UOL.
Eu brinco que a gente dá uma “aturcalhada” na novela. A história já está na cabeça da Glória, a gente coloca expressões e o comportamento
sobre ser consultora de "Salve Jorge"
A empresária gaúcha, que se tornou uma “embaixadora cultural” da Turquia no Brasil depois de conhecer e se encantar pelo país, em 2007, acredita que existe "uma percepção errada do islã". "A Turquia é um país em que se respeita a liberdade de culto. É o país do Oriente mais tolerante, é a única democracia da região". Malga teve uma experiência de iluminação ao encontrar, na Capadócia, uma imagem preservada de São Jorge. A partir daí, decidiu lutar pela construção de um memorial para que "o mundo inteiro saiba que o santo nasceu na Capadócia". O monumento ainda está em construção. Para ela, São Jorge é mais que um mito, representa "a liberdade de culto, de expressão e a igualdade entre os povos". E ela vê intolerância no boicote de evangélicos à novela. “Falo abertamente, o bispo Macedo está intolerante”.
Sempre acompanhada de suas cadelas de estimação, Branca, da raça labrador, e Nina, uma maltês, Malga recebeu  em seu apartamento, na Barra da Tijuca, para falar sobre a colaboração para a novela "Salve Jorge" e como tem superado a ausência de Chico, morto em23 de março de 2012.
Leia a seguir a entrevista com a viúva de Chico Anysio na íntegra:

 Você tem uma história de carinho com a Turquia. De onde veio essa paixão pelo país?
Malga: Trabalhei durante 10 anos com spas e andava pelo mundo procurando tratamentos diferentes quando surgiu o interesse nos tradicionais banhos turcos. Meu sonho era ir para a Grécia e pensei em aproveitar para pesquisar na Turquia. Fui em 2007, e não sabia nada sobre a Turquia, quando cheguei em Istambul, uma grande surpresa. Achei a cidade linda, fiquei encantada com as pessoas, com a cultura e arquitetura. A Turquia é um país muçulmano e encontrei um país supereuropeizado, moderno e cosmopolita. A gente tem uma percepção errada do islã. Vi que o país estava cheio de oportunidades. Me encantei pelos têxteis, pelas obras de arte, pelos acessórios, roupas, de uma riqueza. Me apaixonei pelos azulejos de Iznik. Eu não parava de falar para o Chico da Turquia. Eu dizia para ele: “um dia eu tenho que voltar para a Turquia”. E ele até falou: “Então, por que você não volta logo? Então, vá atrás das oportunidades”
E como você se tornou praticamente uma “embaixadora cultural” da Turquia?
Queria divulgar a Turquia no Brasil. Considero o Brasil um exemplo para o Ocidente, pois somos um país tolerante e vi que a Turquia era o exemplo para o Oriente. É um país em que se respeita a liberdade de culto. A Turquia é o país do Oriente mais tolerante, é a única democracia da região. A ponte entre esses dois povos é São Jorge, a figura que mais representa a liberdade de culto, de expressão e a igualdade entre os povos. Montei a Serendipity em 2008, uma agência para intermediar negócios entre os dois países que se transformou numa agência de relações públicas e de viagens também. Era tão inusitado, uma brasileira querendo fazer negócios lá, que os turcos tinham curiosidade e todo mundo me recebia. Em 2009, a Turkish Airlines veio para o Brasil e meus amigos me apresentaram aos diretores da companhia. Falavam que eu era a brasileira que mais entendia de Turquia.
Eny Miranda/Divulgação
É bem legal quando vejo o personagem fazendo as coisas que a gente sugeria. Como a dançarina brasileira Clara Sussekind, que conheci lá e inspirou a personagem da Cleo Pires. A Clara está participando da novela também, ela faz uma cigana que vai ser professora de dança da Cleo
Você fala turco?
Hoje eu me defendo em turco, o turco é muito difícil. Eu sei muitas palavras de turco, mas não sei formar frases.

E a sua relação com São Jorge? Você já era devota do santo?
Gostava de São Jorge, mas não era devota. Nasci numa família católica, mas me considero uma pessoa agnóstica e de todas as religiões, eu acredito no sobrenatural. Achava que a Capadócia era um lugar lendário. A Capadócia era povoada por cristãos ortodoxos descendentes de gregos, que na República, em 1923, quando acabou com a guerra entre Turquia e Grécia, os gregos tiveram que abandonar suas casas. São Jorge era um santo importante até o final do século passado e, há quase 100 anos, a região foi povoada pelos muçulmanos. Quando cheguei na Capadócia, ninguém sabia de São Jorge. São Basílio era o santo que mais falava. Fui a um museu a céu aberto de Göreme onde tinha uma imagem de São Jorge quase apagada. Quando entrei numa segunda igreja com uma imagem mais preservada, foi nesse momento que a minha vida mudou. Quando entrei ali, vivi uma experiência sobrenatural, olhei para aquela imagem e fui tomada por uma comoção tão grande, uma experiência visceral, tive a exata sensação de que estava reencontrando alguém, um amigo que há muito tempo eu não via. Fiquei tão emocionada que as lágrimas corriam.

Essa experiência mudou a sua vida?
Tinha alguma coisa dentro daquela caverna que eu não conseguia sair. Nessa hora eu tive uma ideia, a primeira coisa que veio na minha cabeça era que eu iria construir um memorial para São Jorge na Capadócia para que o mundo inteiro saiba que ele nasceu aqui. O memorial ainda não esta pronto, não dei continuidade por causa da doença do Chico. Parei tudo para cuidar do Chico. Comecei a pesquisar mais sobre sua história e, realmente, não se sabia se ele existiu. Vi que São Jorge é o santo mais eclético do cristianismo, mais querido do mundo cristão, sincretizado em várias culturas e credos. Hoje eu acredito realmente que ele existiu por razões históricas e por toda a pesquisa que fiz. Eu vou até lançar um livro que está na ponta da agulha.

Em seu livro você vai relatar as experiências vividas neste período em que descobriu a Turquia e durante a doença do Chico Anysio?
É um mix de romance, autobiografia e fé. O livro fala de mim, das minhas origens, eu sou do Vêneto (nordeste da Itália) mas descobri que, no passado essa região foi colonizada pelos habitantes da Anatólia (na Turquia). No fundo, acho que tenho uns genes que vem de lá. No livro, eu conto um pouco da minha história com o Chico. São Jorge tem muito a ver com esse momento terrível que foi. Eu conto no livro um pouco sobre a Turquia em si e a história de São Jorge pesquisada historicamente como ninguém contou no país ainda. Eu escrevo de São Jorge que se conhece no Ocidente, mas que veio do Oriente. Trago no livro lendas importantes. Quero ver se consigo lançar no dia de São Jorge ano que vem, dia 23 de abril.

Na doença do Chico Anysio, você se apegou a São Jorge?
Não sei se foi São Jorge que me deu uma mãozinha ou se foi a minha fé tão grande que eu tinha nele. Naquela hora de desespero, eu tinha que me apegar a alguma coisa. Em novembro de 2010, o Chico ficou doente, foi o primeiro problema sério que ele teve e ficou internado até março de 2011 no hospital. Fechei meu escritório e apartamento que tinha montado em São Paulo e vim embora para cuidar dele. Em junho de 2011, o Chico já estava caminhando e tinha voltado a trabalhar, mas teve um problema na coluna. Ele sofreu muito e teve que voltar a andar na cadeira de rodas. Ele sofreu muito com várias lesões e fraturas na coluna, foi isso que acabou matando o Chico. Ele não conseguia mais fazer a fisioterapia respiratória.

Como você apresentou a Turquia para a Glória Perez [autora da nova novela da Globo “Salve Jorge”]?
Desde a primeira vez que fui à Capadócia, vi um cenário e pensei na Glória Perez. Aquele cenário é fantástico, muito cenográfico. Seria perfeito para a Glória fazer uma novela. Liguei para ela em 2009 e falei: “Te convido para conhecer a Turquia e gostaria muito de te apresentar o país”.  Ela disse que tinha curiosidade, mas não conhecia. 
Como você colaborou na novela? 
Em julho de 2011, a Glória [Perez] me chamou para conversar e dizer que a novela ia acontecer. Ela tinha decidido fazer sobre a Turquia e me chamou para trabalhar com ela, mas o Chico estava doente. Eu também adoraria e quem acabou fazendo que isso acontecesse foi o próprio Chico. Ele me apoiou e falava: “Você tem que fazer, é muito importante para você, vá fazer”. Em setembro de 2011, levei a Gloria e uma equipe da Globo para apresentar a Turquia a eles, foram 20 dias de viagem. Fui contratada como pesquisadora e lá apresentei as pessoas que eu conhecia, levei a Gloria para conhecer uma família rica que os personagens da Zezé Polessa e do Antonio Calloni foram inspirados. Fomos para a Capadócia e apresentei a cultura de aldeia que ainda existe no interior. Foi lá que a Gloria viu as pessoas fazendo o pão na comunidade, o cenário da aldeia Guzelos. A Gloria faz uma homenagem ao país e quer mostrar a Turquia como um todo, como por exemplo, a tradição da garrafa (que é colocada em cima do telhado das casas para as moças que querem se casar) é do sul da Turquia. Fomos pesquisando coisas que existiam nos mais diferentes lugares da Turquia. A Glória é brilhante e costurou tudo.

Que outros personagens fizeram parte da pesquisa?
Quando a Glória estava escrevendo, ela me procurava muito no começo. A gente deu a cara de todos os personagens e a personalidade deles. Participei de tudo isso. É bem legal quando vejo o personagem fazendo as coisas que a gente sugeria. Como a dançarina brasileira Clara Sussekind, que conheci lá e inspirou a personagem da Cleo Pires. A Clara está participando da novela também, ela faz uma cigana que vai ser professora de dança da Cleo.

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